Por Eduardo Müller
Saboia, MSc.
Fotos: montagem utilizando fotos do Prêmio New Holland de Fotojornalismo, podem ter direito autorais.
Lembro como se fosse
hoje de todos os conselhos que recebia de meus avós e pais quando na infância e
adolescência: detestar dívidas para não ser servo de ninguém, estudar muito
para poder trabalhar e ser alguém na vida, gastar na medida dos ganhos,
acumular reservas financeiras em tempos de vacas gordas para sobreviver em
tempos de vacas magras e, o principal, ser extremamente honesto, mesmo que esse
não fosse o caminho mais fácil a ser percorrido (e na maioria das vezes pude
constatar que não é). Gary Hamel, em seu livro “O que importa agora – como construir
empresas à prova de fracassos”, resume estes valores em: prudência,
frugalidade, autodisciplina e sacrifício.
Quando pequeno escutava
atentamente as estórias de duas famílias, Bettega e Klemtz, que ajudaram o
Estado do Paraná a se desenvolver e a criar valores para as pessoas que ali
dedicavam suas horas e forças de trabalho. Madeireira de renome no Brasil e
exterior, a J. Bettega foi, nos anos quarenta, a maior indústria do Paraná e
produziu os famosos pisos de parquet
de residências e palácios ao redor do mundo, além de beneficiar a madeira para
diversos usos. A Cerâmica Klemtz, primeira olaria do Paraná, contribuiu com os
telhas e tijolos de qualidade para milhares de residências desde o final do século XIX. Ambas
criadas a partir do empreendedorismo de seus fundadores, João Bettega e Francisco
Klemtz, respectivamente, homens de caráteres inabaláveis e de extrema
sabedoria.
Sou da numerosa quinta
geração destes empreendedores. Hoje ambas as empresas pertencem a parentes
distantes e tudo o que foi construído resume-se, em parte, a história, a nomes
de ruas e aos ensinamentos deixados aos seus descendentes. De meus avós e pais,
herdou-se prudência, frugalidade, autodisciplina, sacrifício e honestidade. Lembro-me
das estórias sobre a necessidade de acordar de hora em hora de madrugada para
colocar lenha no forno e garantir a olaria funcionando vinte e quatro horas por
dia para atender à demanda da época. Lembro-me das dezenas de casas
construídas para abrigar os funcionários e da necessidade de projetar e
construir as próprias máquinas para não precisar importa-las. Lembro-me de
tanta coisa que escutei de meus avós e pais, e outras que presenciei quando na
infância. Estes valores formaram o meu caráter.
Podem-se encontrar os
mesmos valores em agricultores e em outros ofícios, quando tentam controlar
diversas variáveis ao mesmo tempo para garantirem seus plantios e colheitas:
clima, seca, chuva, pragas em geral, qualidade da terra, qualidade das sementes
e dos maquinários, transporte, financiamentos, seguros, preços das commodities,
estocagem e armazenagem, mão de obra, etc. Sem prudência, frugalidade,
autodisciplina e sacrifício, não há alimento para as pessoas.
Pode-se notar que
valores de tal natureza, fundamentais em países desenvolvidos – base daquelas
economias – estão se tornando escassos. Milhões de consumidores estão
substituindo a austeridade pela extravagância. As pessoas foram estimuladas nas
últimas décadas a se afundarem em empréstimos. Acreditaram em campanhas de
marketing que prometeram mais felicidade aos que têm um carro na garagem do que
aos que os admiram nos show room dos
concessionários. Isso quase quebrou os Estados Unidos em 2008. No Brasil não é
diferente. O endividamento das famílias brasileiras está em torno de 46%, ou
seja, os brasileiros comprometem quase metade da renda nos últimos doze meses
somente com dívidas. O “sonho” do carro e da casa própria, para muitos,
torna-se um pesadelo interminável.
Empresas em geral
também têm perdido importantes valores, por mais que estejam fazendo para
mantê-los. Acumular reservas financeiras em tempos de vacas gordas para
sobreviver em tempos de vacas magras é um grande desafio, assim como ser
frugal. Quanto à honestidade, os departamentos de Compliance fazem um esforço significativo para expurgar
colaboradores que insistem em trabalhar em troca de propina (a operação Lava
Jato da Polícia Federal mostra que ainda há muito trabalho a ser feito).
Era de se prever, que
algum dia, a conta teria que ser paga.
Brasileiros e
consumidores ao redor do mundo, viciados em dívidas, precisarão passar por um
processo de reabilitação, segundo Hamel. O problema é que, dívidas são dívidas,
e se existe alguém devendo é porque existe alguém cobrando. E a reabilitação
nem sempre é possível e indolor. Muito pelo contrário.
Talvez o melhor
remédio no longo prazo seja a reeducação. Buscar os antigos valores já citados
acima para prevenir e não mais corrigir. A correção é sempre mais dispendiosa e
dolorosa, pois força o corte de colaboradores, exige mais trabalho com altos
riscos agregados. Mas quem quer educar? E quem quer ser educado com
tantas ofertas e tentações nas mídias e tanta competição por status social?
Fica a reflexão!
