quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Rememorando os valores dos agricultores e de antepassados. Por que, de certa forma, valores tão importantes foram abandonados?


Por Eduardo Müller Saboia, MSc.

Fotos: montagem utilizando fotos do Prêmio New Holland de Fotojornalismo, podem ter direito autorais.


Lembro como se fosse hoje de todos os conselhos que recebia de meus avós e pais quando na infância e adolescência: detestar dívidas para não ser servo de ninguém, estudar muito para poder trabalhar e ser alguém na vida, gastar na medida dos ganhos, acumular reservas financeiras em tempos de vacas gordas para sobreviver em tempos de vacas magras e, o principal, ser extremamente honesto, mesmo que esse não fosse o caminho mais fácil a ser percorrido (e na maioria das vezes pude constatar que não é). Gary Hamel, em seu livro “O que importa agora – como construir empresas à prova de fracassos”, resume estes valores em: prudência, frugalidade, autodisciplina e sacrifício.

Quando pequeno escutava atentamente as estórias de duas famílias, Bettega e Klemtz, que ajudaram o Estado do Paraná a se desenvolver e a criar valores para as pessoas que ali dedicavam suas horas e forças de trabalho. Madeireira de renome no Brasil e exterior, a J. Bettega foi, nos anos quarenta, a maior indústria do Paraná e produziu os famosos pisos de parquet de residências e palácios ao redor do mundo, além de beneficiar a madeira para diversos usos. A Cerâmica Klemtz, primeira olaria do Paraná, contribuiu com os telhas e tijolos de qualidade para milhares de residências desde o final do século XIX. Ambas criadas a partir do empreendedorismo de seus fundadores, João Bettega e Francisco Klemtz, respectivamente, homens de caráteres inabaláveis e de extrema sabedoria.

Sou da numerosa quinta geração destes empreendedores. Hoje ambas as empresas pertencem a parentes distantes e tudo o que foi construído resume-se, em parte, a história, a nomes de ruas e aos ensinamentos deixados aos seus descendentes. De meus avós e pais, herdou-se prudência, frugalidade, autodisciplina, sacrifício e honestidade. Lembro-me das estórias sobre a necessidade de acordar de hora em hora de madrugada para colocar lenha no forno e garantir a olaria funcionando vinte e quatro horas por dia para atender à demanda da época. Lembro-me das dezenas de casas construídas para abrigar os funcionários e da necessidade de projetar e construir as próprias máquinas para não precisar importa-las. Lembro-me de tanta coisa que escutei de meus avós e pais, e outras que presenciei quando na infância. Estes valores formaram o meu caráter.

Podem-se encontrar os mesmos valores em agricultores e em outros ofícios, quando tentam controlar diversas variáveis ao mesmo tempo para garantirem seus plantios e colheitas: clima, seca, chuva, pragas em geral, qualidade da terra, qualidade das sementes e dos maquinários, transporte, financiamentos, seguros, preços das commodities, estocagem e armazenagem, mão de obra, etc. Sem prudência, frugalidade, autodisciplina e sacrifício, não há alimento para as pessoas.

Pode-se notar que valores de tal natureza, fundamentais em países desenvolvidos – base daquelas economias – estão se tornando escassos. Milhões de consumidores estão substituindo a austeridade pela extravagância. As pessoas foram estimuladas nas últimas décadas a se afundarem em empréstimos. Acreditaram em campanhas de marketing que prometeram mais felicidade aos que têm um carro na garagem do que aos que os admiram nos show room dos concessionários. Isso quase quebrou os Estados Unidos em 2008. No Brasil não é diferente. O endividamento das famílias brasileiras está em torno de 46%, ou seja, os brasileiros comprometem quase metade da renda nos últimos doze meses somente com dívidas. O “sonho” do carro e da casa própria, para muitos, torna-se um pesadelo interminável.

Empresas em geral também têm perdido importantes valores, por mais que estejam fazendo para mantê-los. Acumular reservas financeiras em tempos de vacas gordas para sobreviver em tempos de vacas magras é um grande desafio, assim como ser frugal. Quanto à honestidade, os departamentos de Compliance fazem um esforço significativo para expurgar colaboradores que insistem em trabalhar em troca de propina (a operação Lava Jato da Polícia Federal mostra que ainda há muito trabalho a ser feito).

Era de se prever, que algum dia, a conta teria que ser paga.

Brasileiros e consumidores ao redor do mundo, viciados em dívidas, precisarão passar por um processo de reabilitação, segundo Hamel. O problema é que, dívidas são dívidas, e se existe alguém devendo é porque existe alguém cobrando. E a reabilitação nem sempre é possível e indolor. Muito pelo contrário.

Talvez o melhor remédio no longo prazo seja a reeducação. Buscar os antigos valores já citados acima para prevenir e não mais corrigir. A correção é sempre mais dispendiosa e dolorosa, pois força o corte de colaboradores, exige mais trabalho com altos riscos agregados. Mas quem quer educar? E quem quer ser educado com tantas ofertas e tentações nas mídias e tanta competição por status social?

Fica a reflexão!

Eduardo Müller Saboia é Técnico e Engenheiro Industrial Mecânico, Pós-graduado em Gestão Industrial e Mestre em Administração Estratégica. Atua na Indústria de Maquinários Agrícolas como gerente de Business Intelligence, S&OP e Administração de Vendas para a América Latina. Escreve frequentemente no LinkedIn e no blog pessoal “focus on org” (http://www.focusonorg.blogspot.com). Filho, esposo e pai e triatleta amador.