sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A Casa da Palavra do povo Dogon: onde a sabedoria fala e a modernidade se cala.


Vinicius de Moraes diria: "Era uma casa, muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada. Ninguém podia entrar nela não, porque na casa não tinha chão!". Outros tantos críticos modernos a chamariam de "casebre", "barraco" ou "buraco". Outros ainda complementariam ao chamar de suja, insegura e inútil. Como é perfeita e cruel a ignorância da humanidade moderna.
A "Casa da Palavra", ou Toguna de Indé (francês) poderia ser classificada, na minha humilde opinião, como uma das mais modernas e revolucionárias ferramentas de gestão. Isto mesmo. É simplesmente um local onde as pessoas discutem assuntos de interesse comum, seguindo regras claras. Uma espécie de espaço para reuniões, muito mais eficiente dos que comumente são encontrados nas empresas modernas do século XXI.
Se tivesse sido criada nos Estados Unidos, seria um best seller, daqueles de Hamel & Prahalad, Kaplan e Norton ou mesmo Peter Drucker. Mas não foi, infelizmente. São de autoria dos Dogon, um dos povos mais "primitivos" da humanidade, detentores de um conhecimento notório sobre astrologia, especialmente sobre a constelação Syrius. Astrólogos têm comprovado a existência de estrelas nesta constelação que já eram de conhecimento deste povo "primitivo" há séculos, só para se ter ideia. Mas por serem extremamente pobres e por preservarem hábitos de seus ancestrais, são considerados como não evoluídos, praticamente primitivos. Pode-se fazer um paralelo com o que se pensa de muitos indígenas que vivem em tribos no interior do nosso Brasil, mas em potências de dez ou de cem.
Os Dogon vivem no interior da África Ocidental, mais precisamente em Mali e Burkina Faso, países onde mais de 99% da população vive na extrema pobreza, com menos de um dólar por dia. Por serem pobres e não possuírem celulares, wi-fi, whatsapp e e-mails, eles simplesmente conversam. Seus costumes têm sido transmitidos de geração para geração por meio da palavra, e nenhum registro escrito que conte a história foi encontrado por lá até hoje. Para os Dogon, a palavra vale bem mais que a escrita!
Mas para que esta comunicação ocorra de modo eficiente, eles devem respeitar regras claras e principalmente o conhecimento e a experiência dos mais idosos.
E tudo acontece nas Togunas, ou Casa da Palavra. Lugar público, geralmente situado no centro de cada vilarejo. São construídas a partir de oito pilares que sustentam um teto que fica a um metro e vinte centímetros do chão, de modo a forçar com que todos que estejam dentro dela fiquem sentados. Se a discussão sobre algum tema estiver mais acalorada e os ânimos se exaltarem, não há como se levantar para se impor sobre o outro, nem há espaço para abandonar a discussão e sair. Esta limitação física encoraja a todos a terem uma conversa respeitosa e objetiva, assim como a iniciar e concluir um tema, fato que não acontece nas inúmeras reuniões que acontecem todos os dias. 
São utilizadas pelos anciãos das aldeias para a discutir os problemas da comunidade, mas também podem servir como um local de direito consuetudinário e de tomada de decisões.
As pessoas que frequentam as "Togunas" devem usar gorros com tampões nas orelhas, que enquanto o assunto é exposto, ficam levantadas, simbolizando que estão escutando. Quando os anciãos dão suas palavras de aconselhamento ou comunicam a decisão, os mais jovens devem obrigatoriamente abaixar um dos tampões, simbolizando que as sábias palavras entrarão por um dos ouvidos e não sairão pelo outro. Evitam assim a antiga expressão: "entrou por uma orelha e saiu pela outra". É a sabedoria sendo repassada de geração para outra, em um ritual simples.
Agora para refletir: de quantas reuniões em salas super equipadas você já participou por horas e nada extraiu de útil? De quantas reuniões já participou sem sequer saber direito o tema? Quantas com profissionais extremamente exaltados buscando sempre a razão? Confesso que eu mesmo já me exaltei algumas vezes. Quantas reuniões sem conclusão alguma? Em quantas presenciou todos os participantes concordando com a cabeça e depois do término, cochichando pelos corredores? Em quantas reuniões você deveria ter usado um gorro como os utilizados pelos Dogon e preferiu não prestar atenção, por estar atento aos e-mails que entravam no seu celular?
Será que as modernas empresas e seus colaboradores, graduadíssimos, não deveriam reconsiderar os métodos que vêem utilizando para se comunicarem e para discutirem assuntos relevantes e de interesse da organização? Será que não deveriam reconsiderar o uso de tanta tecnologia, pelo menos para situações nas quais a comunicação face-to-face é possível?
Há pouca eficiência, por vezes, nas casas que não são nada engraçadas, que têm tetos e têm tudo. Tudo, menos entendimento, respeito e comunicação de fato.
Quem é primitivo mesmo? Fica a reflexão!

Eduardo Müller Saboia é Técnico e Engenheiro Industrial Mecânico, Pós-graduado em Gestão Industrial e Mestre em Administração Estratégica. Atua na Indústria de Maquinários Agrícolas como gerente de Demand Planning para a América Latina, segmento Agrícola. Escreve frequentemente no LinkedIn e no blog pessoal “focus on org” (http://www.focusonorg.blogspot.com). Filho, esposo e pai e triatleta amador.