terça-feira, 6 de setembro de 2016

O Brasil perderá novamente a oportunidade de ser um gigante?


Por Eduardo Müller Saboia, MSc

Na Rio 2016 o Brasil teve a oportunidade de mostrar para mais de 4 bilhões de habitantes a sua cultura, sua natureza exuberante e única, sua força de realização mesmo em situações adversas, a alegria de sorrir em face de problemas e a vontade de chorar diante da beleza. Somos assim, difíceis de compreender, profissionais do “jeitinho” e de um improviso que chega a dar frio na barriga. Realizamos com poucos recursos e por muitas vezes realizamos pouco. Mas somos únicos, sentimos “saudade”, que povo nenhum pode expressar por não existir esta deliciosa palavra em outros idiomas. Um sonho intenso, um amor eterno, mas que por vezes fica deitado eternamente em berço esplêndido esperando que milagres aconteçam.
O brasileiro tem orgulho em dizer que alimenta o mundo. O Brasil é o primeiro em produção e exportação de açúcar, café e suco de laranja. É o primeiro em exportação e é o segundo em produção de soja, carne bovina, tabaco e carne de frango. Segundo em exportação e terceiro em produção de etanol e milho. Quarto em carnes de peru e suínos. No geral, é o quarto maior exportador mundial. O Agro representa 21% do PIB e 46% da balança comercial. 7% do mercado mundial do Agro é brasileiro. Também emprega 35% da mão-de-obra brasileira mesmo preservando 61% do seu território. Um orgulho imenso. Potencial que não acaba mais.
Mas nem tudo é “Agro-ostentação”, algo pode estar errado. O Brasil não é competitivo em 58% dos produtos agrícolas comercializados. E não é em produtos que deveria nadar de braçada pela exuberância e variedade que tem em seu território: pescados, frutas, bebidas, cereais e farinhas, produtos oleaginosos (exclui-se soja), hortícolas, leguminosas, raízes e tubérculos, além de lácteos. Em todas estas variedades, o Brasil tem menos de 1% de participação do mercado mundial. Que pena! Rios e faixa litorânea, terras, recursos hídricos para irrigação e clima adequado temos de sobra em todas as regiões do norte ao sul, do leste ao oeste.
Há um potencial enorme de crescimento em todos estes segmentos, tanto nos que já vamos bem quanto nos que ainda patinamos. O mundo precisará de muito mais alimentos. Estima-se que em 2050 serão mais de 9 bilhões de habitantes. Ao considerar os meios atuais de produção, o Brasil é o único país a ter todas as condições para fazer frente a esta demanda: recursos hídricos, relevo, área de expansão suficiente e temperatura ideal. Mas o jogo não está ganho, há muito trabalho a ser feito. E se alguns entraves não forem eliminados, o país perderá novamente a grande e talvez única chance de prosperar e de se tornar líder mundial em produção e beneficiamento de alimentos.
O Brasil peca ao fazer poucos acordos comerciais com outros blocos e países. O comércio entre blocos antes representava 20%, hoje representa 40% do comércio de alimentos. Quem estiver fora terá muitas dificuldades de se tornar competitivo.
O Brasil peca ao permitir que o Censo Agropecuário seja postergado e postergado por “falta” de recursos para realiza-lo. O Agro brasileiro mudou muito nos últimos dez anos. A falta de um censo faz com que as políticas públicas de incentivo sejam aplicadas de maneira errada.
O Brasil peca por ser negligente, relapso, irresponsável e ineficiente com a sua logística. É capaz de achar normal que 30% dos grãos plantados e colhidos sejam perdidos em armazéns mal conservados ou em transportes de má qualidade, tanto em modal ferroviário, fluvial e rodoviário.
O Brasil peca por não regulamentar as regras e leis que precisam ser definidas para que os produtores possam trabalhar com menos recursos, mais segurança e de forma sustentável. Por vezes, detém a tecnologia, mas ela não funciona por falta de regulamentação.
O Brasil peca por ser tímido em iniciativas de sustentabilidade. Mesmo que algumas empresas como EMPRAPA estejam fazendo excelentes trabalhos neste sentido, falta vontade política para massificar as vertentes tecnológicas essenciais para o Agro do futuro próximo: biologia sintética, nanotecnologia, ômicas, robótica, agricultura de precisão e também a agricultura vertical.
O Brasil peca por não priorizar a discussão, em todas as esferas da sociedade, da quarta revolução industrial que chegou para ficar. É preciso priorizar, antes que não dê mais tempo, o desenvolvimento e a implantação massiva das tecnologias desruptivas, como o uso no Agro de veículos autônomos, inteligência artificial e robótica, redes de internet móveis no campo que funcionem adequadamente, computação em nuvem que permita o processamento de uma quantidade enorme de dados (big data) e o uso de drones e energias renováveis. Sem isso, sem logística competitiva e sem acordos comerciais favoráveis, o Brasil possivelmente perderá a chance de se tornar o principal player da indústria do Agro, e não será mais a única nação com potencial de suprir a demanda por alimentos do mundo.

Estamos preparados? No Agro não existe o “jeitinho”, só para lembrar...

Fica a reflexão!