sábado, 14 de novembro de 2015

“Mais outro número, outro número, outro número. Outro número, outro número. Outro número, outro número. Eu não sou bola de bilhare. [...] É noite de blecau! É noite de blecau!”


Por Eduardo Müller Saboia, M. Sc.



Título: verso da música “Rock Americano”, Titãs, Compositores: Sérgio Britto, Mauro E Quitéria.

A ansiedade é a irmã histérica da esperança. Em um contexto de indefinições e mudanças repentinas de regras por parte do governo, os executivos estão submetidos a overdoses de histeria, ou melhor, de ansiedade e de cenários. Na ânsia de uma resposta, espremem-se os indicadores na esperança de que eles confessem, de que indiquem um norte a ser seguido, mas está muito difícil. As novas regras de mercado estão conseguindo anular até modelos e princípios estatísticos que sempre funcionaram e pondo em xeque os futuros resultados de pessoas e organizações. Não está fácil. Na verdade, está ficando difícil.
Cenários. Palavra ouvida dezena de vezes nas últimas semanas. Outro número, mais um número, outro número. É tempo de blecaute. Simulações. Diversas elaboradas a cada instante. Os cenários são ferramentas que suportam o planejamento estratégico das empresas, mas quando em demasia, podem confundir e prejudicar a qualidade da decisão. Segundo Porter, "diante do contexto organizacional, a análise de cenários auxilia o planejamento estratégico mediante o estudo de possíveis futuras ocorrências. É uma visão de futuro internamente consistente, baseado em suposições plausíveis sobre os importantes temas que podem influenciar um setor."
Por falta de regras claras do governo, toda previsão de resultados das empresas é, por vezes, totalmente factível, e por outras, totalmente ilusão. Fato é que, sem uma base minimamente regulamentada e sem um histórico que sirva para delinear o futuro, os cenários ficam atrelados a variáveis pouco confiáveis, imprevisíveis e voláteis. No Brasil, cenários estratégicos que nas últimas décadas eram baseados na razão, perderam espaço para a abstração e para a imaginação.
Segundo a terminologia filosófica, a abstração e a imaginação são processos de pensamento em que as ideias são distanciadas dos objetos ou há uma representação dos mesmos através dos sentidos.
A abstração usa a estratégia de simplificação, em que detalhes concretos são deixados ambíguos, vagos ou indefinidos. Assim, uma decisão sobre as coisas abstratas requer uma intuição ou experiência comum entre quem decide e quem acata a decisão. Na falta de algo concreto, a abstração surge como um atalhopara o pensamento poder reencontrar razões minimamente plausíveis para uma conclusão.
Já a imaginação, é um processo no qual o subconsciente pronuncia-se perante a consciência. Trata-se da capacidade de um grupo ou de um indivíduo de representar o mundo com a ajuda de um recurso de associação de imagens que lhe atribuem um sentido.
Estes dois conceitos são apresentados no filme “DivertidaMente”, da Disney Pixar, quando as personagens Alegria e Tristeza precisam, de certa forma, recuperar a memória de uma menina. Para conseguirem voltar à normalidade e restabelecer o controle da situação, ambas decidem seguir uma linha de pensamento (no filme, um trilho com um Trem). O acesso ao pensamento (ou Trem) só podia ser feito por meio de atalhos (Estações Secundárias de Trem), já que os caminhos normais (Estações Principais de Trem) haviam sido corrompidos e estavam inacessíveis. Os atalhos, neste caso, eram duas estações secundárias, chamadas de Abstração (quando se destroem os modelos pré-concebidos) e Imaginação (quando se recriam novos modelos a partir do subconsciente).
Abstração e imaginação estão novamente na moda. Já se havia esquecido quão importantes estes processos do pensamento são para as economias que passam por grandes flutuações ou que não possuem regras e leis que valham por um longo período. Quando o país começa a ser governado por decretos ou portarias que tendem somente a encobrir problemas no curto prazo – se é que é possível – e se esquece dos efeitos a médio e longo prazo, tem-se um grave problema para as próximas gerações.
Portanto, deve-se abstrair e imaginar. É hora de extremos. Que seja possível então a quebra de muitos modelos daqui para frente, inclusive o da governança. Recebi outro dia, via Facebook, uma frase escrita em um muro de Curitiba: “Que as ideias voltem a ser perigosas!” Até que se tenha um novo período de estabilidade, que impere a ansiedade, a histeria e a esperança e que sejamos guiados pela abstração e pela imaginação. Que sejam revogadas as leis da estatística, da matemática e do bom senso! No Brasil, quem sabe também a lei da gravidade, pois o que deveria cair no momento, não cai. 
Fica a reflexão!

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